Carlão
dizia-se “avesso” a “essas coisas de espiritismo”. Junto a amigos espíritas, “preferia
as suas convicções”, afirmava sempre.
Certa ocasião, dessas em que todos opinam
ao mesmo tempo, discutia-se a alimentação dos espíritos. ─
Alimentam-se pela respiração, assimilando princípios vitais da atmosfera ─
dizia um apressado. Outro, ressaltava a “natureza fluídica” dos alimentos. E a
conversa ia longe.
Chegado num bom churrasco, Carlão,
inconformado, ironizava:
─ Quer dizer que “lá em cima” não se come uma
boa picanha?
─
Não, Carlão, espírito não come carne!
─
ouvia da turma, quase em coro.
E o bom glutão, decepcionado, lamuriava-se:
─
Além de morto, vou “viver” de brisa! Se houver essa
“tal vida” de que vocês tanto falam, vai ser difícil!
─
Não tem jeito, Carlão ─
retrucava um dos amigos ─ uma boa picanha, com gordura e tudo, mal passada, como
você gosta... só encarnado. “Lá em cima”, como diz você, nada feito!
─
Por isso, espírita só faz churrasco com carne magra, regada a suco e
refrigerante, ao som de música clássica ─ dizia um
brincalhão.
E a roda se desfez. Não o vimos mais, e
acabamos por concluir que Carlão se afastara levado por “suas” convicções.
Tempos depois, numa reunião mediúnica, no
Centro que o grupo frequentava, um dos amigos, identificou o espírito de Carlão,
que ninguém sabia que havia desencarnado. Com naturalidade, iniciou o diálogo, como
nos velhos tempos.
─
E aí, Carlão, como vai você?
O amigo desencarnado informou, então, que ali
chegara “pra matar saudades”, e que estava pensando em reencarnar. Mas estava
“preocupado”: “só havia conseguido vaga numa família de vegetarianos” ─ desabafou, quase em tom de confidência.
─
Que bom, Carlão, ─ disse-lhe o amigo
dialogador em tom de incentivo ─ e, recordando a
conversa sobre o churrasco, ponderou ─ assim você volta longe dos prazeres da carne. E disparou:
─
Vai topar?
─ Claro!
─
respondeu Carlão bem humorado ─ vai
que surge uma brecha...
E desapareceu, sem dar chance a qualquer outra
insinuação.🔵
__________________________________
__________________________________
Imagem: www.google.com. Acesso: 30/setembro/2012.
Formatação atualizada em: 05/outubro/2017.
2 comentários:
Muito bom Francisco! Leve e engraçado. Longe do rigorismo dogmático e embora não pareça abre espaço para reflexões profundas. Jesus falou que não é o que entra pela boca o que nos torna impuros, mas o que sai da boca. Claro que isto se refere às questões morais, mas não significa que devemos descurar da qualidade dos alimentos que ingerimos. Fica a cada um o estabelecimento das melhorias que julgar necessária e mais apropriada a seu sentimento e a sua condição atual.
Postar um comentário