Por Francisco de Assis Daher Pirola
(Singela homenagem ao Espírito Cornélio Pires)
Nhô Perácio, homem chegado às rudezas da terra, vez por outra achava de caçar macuco nas vizinhanças do “Ribeirão”, que, ao contrário do que dizia o nome, não passava de pequeno sítio em meio a alguns alqueires de mata densa, onde corria pequeno córrego.Certa noite, numa dessas escapadas, “farejou” caça e não pensou duas vezes. Repara no alforje, vê que dá pra passar a noite e afunda mata adentro.
Horas depois, já saboreando um bom pedaço de carne assada, trazida numa lata com farofa, não pôde conter o espanto ao ouvir, bem próximo, alguém abrindo picada. Mal teve tempo de se colocar de pé, quando um facho de lanterna clareou seu rosto, seguido do aviso:
– “Queta” aí, Nhô Perácio, que é o compadre Zeca!
– Ora, ora meu compadre, era só o que faltava, você por aqui nessa hora?! – respondeu, surpreso, o caçador.
Morando num povoado distante dali, Compadre Zeca também gostava de dar a sua caçada. Só que, desta vez, viera parar nas bandas do “Ribeirão”, que, aliás, não era sua área costumeira.
Passado o incidente da chegada inusitada do companheiro, mais graveto é colocado na fogueira, esquentando a conversa. Afinal, não se viam há um bom tempo, nem notícias tinham um do outro. Comentavam, por isso, com animação, a feliz coincidência.
E, ao crepitar do fogo, de tudo um pouco conversavam, lembrando outras caçadas que tinham partilhado. Nhô Perácio lembrou até da “visagem” que, segundo diziam, surgia ali na época boa de caça e que o Compadre Zeca sempre considerou “história de caçador”.
Só que, naquela noite, ao contrário do que sempre dissera, o Compadre Zeca falava ao incrédulo companheiro:
– Sabe, compadre, eu agora acredito em tudo. “Aparição de gente” é possível, sim. Eu sei que é! – reforçava.
Nhô Perácio, achando medo nas palavras do outro, apontava a espingarda e, a seu modo, caçoava, às gargalhadas:
– Que nada compadre, essa história de “fantasma” é tudo invenção. E se aparecer... eu corto no tiro!
Compadre Zeca apenas sorria, e, complacente, com ares de quem dá conselho, falava:
– Compadre, compadre, olha que um dia você acaba vendo um de verdade...
E, discutindo o “causo”, puseram-se a caminho, pois logo o dia amanheceria e precisavam aproveitar o tempo.
Já nos primeiros albores, encerraram a caçada e pegaram a trilha de volta. Zeca seguiria a picada que abrira antes, para chegar mais depressa ao povoado. Nhô Perácio voltaria só. Despediram-se, e cada um seguiu seu caminho.
De volta pra casa, o velho caçador matutava no acontecido. Homem acostumado à dureza, Compadre Zeca, naquela noite, evitara usar a sua conhecida cartucheira. Não dera um só tiro. E sempre que algum animal caía na sua mira arranjava uma desculpa pra não atirar. Mas não era só isso - pensava - o compadre andava agora com mania de conselheiro. Parecia até Nhô Dalmo, com seus livros “complicados”, que falam desse “negócio” de morto que volta. Sempre crera somente nesta vida - meditava. Quanto à outra vida, dizia em voz baixa,“só depois que eu ver”. “Ou o Compadre Zeca amoleceu, ou tá ficando meio doido” - concluía amuado.
O sol já clareava forte quando chegou à casa. Nhá Norina chorava num canto da sala.
Antes mesmo de perguntar alguma coisa vê uma carta sobre a mesa. Pega o papel e lê apressado. Seu olhar vagueou, então, pela salinha toda. Sentiu-se cansado, muito cansado...
A carta comunicava a morte do Compadre Zeca, ocorrida dias antes, numa caçada pros lados da “Jaguatirica”.
* * *
Imagem: www.google.com . Acesso em: 21/junho/2012.
Texto e formatação atualizados em: 18.03.2014.
Texto e formatação atualizados em: 18.03.2014.
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Leia ainda:
Cornélio Pires - Dados Biográficos
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