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Paisagem da Cilícia |
Por Leonardo Pereira*
"[...] Buscando o exemplo do Apóstolo dos Gentios, devemos nos inquirir se já não está na hora de também invadir os nossos desertos e perscrutar o que desconhecemos em nós mesmos [...]"
“Saulo!.. Saulo!.. por que me persegues?” ─ a frase emblemática se refere ao encontro do doutor da Lei judaica, Saulo de Tarso, com Jesus de Nazaré, na estrada de Damasco, a “cidade de jasmim”, capital da Síria.
Considerada a cidade mais antiga a ser habitada continuamente no mundo, Damasco foi palco da conversão de Saulo, perseguidor do Cristianismo, que, após o seu autoencontro, tornou-se, no seu tempo, o maior divulgador da mensagem de Jesus.
O então futuro Apóstolo dos Gentios nasceu por volta do ano 5, da nossa era, na cidade de Tarso, na Cilícia, Ásia Menor, pertencente hoje à Turquia, à época território anexado ao Império Romano (talvez aqui a programação Divina propiciando a um futuro divulgador do Cristianismo o salvo-conduto, o passaporte romano).
Apesar da cidadania romana, Saulo era um judeu da Diáspora (Dispersão) e pertencia a uma importante e rica família. Aos 14 anos, começou a receber a formação rabínica, sendo criado de forma rígida, com a exigência do cumprimento das rigorosas normas dos Fariseus, classe religiosa dominante daquela época, na qual predominava o orgulho racial tão peculiar aos judeus da antiguidade.
Depois de ser preparado para se tornar um doutor da Lei, mudou-se para Jerusalém, despontando como um dos principais sacerdotes do Templo de Salomão. Nesse período, deparou-se com uma seita iniciante, nascida dentro do judaísmo, contrária, porém, na visão dos doutores da lei judaica, aos principais ensinos farisaicos ─ o Cristianismo.
Contratado para perseguir e exterminar os seguidores dessa seita ─ seguidores do carpinteiro de Nazaré ─ apelido dado aos discípulos de Jesus, Saulo não mediu esforços para acabar com o que acreditava ser uma ameaça ao seu povo, sua religião. Mas, apesar de tudo que fazia para minar o crescimento dos adeptos da nova seita, ela continuava crescendo com força, principalmente após a morte e ressurreição de seu líder ─ Jesus. A cada dia novos seguidores surgiam, engrossando a massa dos que acreditavam que Ele era “o filho de Deus”, “o messias”, “o ungido”, “aquele que veio para libertar o povo”.
No ano de 35 d.C., dois anos após a crucificação de Jesus, logo depois de ter mandado executar Estevão (um dos primeiros mártires do Cristianismo), Saulo, impulsionado pela obsessão de acabar com os principais líderes cristãos, seguiu para Damasco. Ia ao encalço de um deles principalmente ─ Ananias ─ “a fim de castigá-lo devidamente”.
Antes de chegar a Damasco teve uma visão fulgurante de Jesus que, em espírito, lhe perguntava: "Saulo!... Saulo!... por que me persegues?". Sobrevindo-lhe imediata cegueira, foi conduzido à cidade, onde foi curado pelo mesmo Ananias, convertendo-se, então, ao Cristianismo, passando a chamar-se Paulo. A partir daí, surge, então, o "Apóstolo dos Gentios", ou seja, o enviado, para disseminar o Evangelho para o povo não judeu.
O Espírito Emmanuel, na belíssima obra “Paulo e Estevão”, um clássico da literatura espírita, de leitura indispensável, editado pela Federação Espírita Brasileira, narra, com profundidade, pela psicografia do médium mineiro Chico Xavier, a comovente história de Saulo x Paulo.
Essa obra nos desperta para uma importante reflexão: “Saulos” de hoje, a caminho da transformação, não raras vezes encontramos o chamamento “às portas de Damasco”, sendo convocados ao Bem universal e instados, pelo livre-arbítrio, a decidir utopicamente entre matar em nós o amor ou, corretamente, aprender a amar! Mas somente a segunda escolha é capaz de nos conduzir a uma importante perspectiva: a de como nos vemos e como vemos a vida, o que nos permite sair da cegueira material para a claridade espiritual.
Na verdade, Saulo, às portas de Damasco, entendeu que até então vivia na escuridão do orgulho, do egoísmo, da vaidade e do poder prepotente, e o seu autoencontro, nesse caso, propiciado pela cegueira temporária, lhe facultou conhecer-se e conhecer o seu caminho, a sua estrada.
De acordo com Emmanuel (op. cit.), Saulo passa mais de um ano no deserto, tempo necessário para consolidar a sua transformação em Paulo. Ao retomar a antiga profissão (tecelão), começa a tecer um novo caminho na manta da vida. Afasta-se de tudo em que acreditava e mergulha em si mesmo. E, através da introspecção e da reflexão, entende que o homem velho devia dar lugar ao homem novo. E coloca isso em prática. Podemos dizer, então: a luz se fez em Paulo e Paulo fez luz por onde foi.
Buscando o exemplo do Apóstolo dos Gentios, devemos nos inquirir se já não está na hora de também invadir os nossos desertos e perscrutar o que desconhecemos em nós mesmos; se já não chegou o momento de utilizarmos o autoconhecimento para iluminar os escaninhos escuros da nossa mente, onde habitam os homens velhos que teimam em retornar vez ou outra exigindo o direito adquirido pelo tempo, gritando: “Eu sou assim e não vou mudar... eu mando, eu posso”; de promover, na nossa rota de Damasco, o autoencontro, questionando o Saulo que reside em nós ─ “por que me persegues?” ─ para que, na cegueira da matéria, não predomine o homem velho. E, como Paulo, perguntar: “Senhor, que quereis que eu faça?”.
Deixemos, portanto, que a Claridade Divina transforme a nossa vida, para que, com a visão restaurada e o coração firme na fé, possamos dizer, a exemplo do Apóstolo dos Gentios: “Não sei mais se sou eu que vivo no Cristo ou o Cristo que vive em mim.”
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(*) Leonardo Pereira é orador espírita e atual
presidente do Gelp – Bairro Goiabeiras – Vitória-ES.
Imagem:http://www.lycianturkey.com/lycia-piracy.htm. Acesso em: 13/junho/2012
Formatação atualizada em:05.10.2013.