"Não podeis servir a Deus e a Mamom; guardai bem isto, vós que sois dominados pelo amor do ouro, vós que venderíeis a alma para enriquecer, porque isso poderia elevar-vos acima dos outros e proporcionar-vos o gozo das paixões. Não, não podeis servir a Deus e a Mamon! Se sentirdes, portanto, vossa alma dominada pelas cobiças da carne, apresse-vos em sacudir o jugo que vos esmaga, pois Deus, justo e severo, vos perguntará: Que fizeste ecônomo infiel, dos bens que te confiei? Empregaste essa poderosa fonte das boas obras unicamente na tua satisfação pessoal?" (2)
Assim falava Jesus:“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou vai dedicar-se a um e desprezar o outro… Não podeis servir a Deus e a Mamon!” (Mateus, 6:24).
O lado sombra da alma que ignora as leis divinas aparece nesse diálogo de Jesus com os seus discípulos e demonstra o conhecimento do Mestre Nazareno com relação às misérias da alma humana.
O Meigo Rabi referia-se a um Deus de amor, justiça e caridade, que não aprisiona os homens em seus ensinos e suas leis, mesmo que estes estejam ainda tão próximas do ponto de partida - instintos e sensações - e tão distantes do ponto de chegada - o sentimento - que, no seu mais alto grau, é o amor por excelência.
O evangelista dá tanta importância a esses segredos do Coração do Mestre, que encaixa a narração dentro do Sermão da Montanha, o grande 'discurso' de Jesus, aberto com as Bem-Aventuranças.
Para um entendimento mais amplo da passagem acima citada, reportemo-nos a alguns fatos da história da religião cristã, destacando Evágrio do Ponto, ou Evágrio Pôntico, em grego Euagrios Pontikos (346 no Ponto - 399/400 no Egipto). "Escritor, asceta e monge cristão, Evágrio dirigiu-se ao Egito, a «Pátria dos Monges», a fim de ver a experiência desses homens no deserto, e acabou por se juntar a uma comunidade monástica do Baixo Egito. [...] Da sua vivência com os monges, traçou as principais doenças espirituais que os afligiam – os oito males do corpo; esta doutrina foi conhecida de João Cassiano, que a divulgou pelo Oriente; mais tarde, o Papa Gregório Magno também ouviu falar nela, e adaptou-a para o Ocidente como os sete pecados capitais e reduzindo de 8 para 7 – a saber a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça (à qual Evágrio chamara de acídia e tristeza)". (1)
Por fim, alguns teólogos colocaram ordem nos “pecados”, criando uma lista definitiva: Vaidade, Inveja, Ira, Preguiça, Avareza, Gula, Luxúria. Mamon, esse 'deus', esse 'senhor', que também controla e domina os homens, aparece como um dos sete pecados capitais: “o demônio da avareza”, representado como uma ave de rapina.
Normalmente traduz-se 'Mamon' por 'dinheiro', mas o significado é mais extenso. O evangelista, escrevendo em grego, usou essa palavra, que é aramaica, justamente pela amplitude de sentido, estendendo-a a riqueza, dinheiro. Ou seja, não é simplesmente 'ter dinheiro' apenas, mas, principalmente, 'o uso' que dele se faz. 'Ter' ou 'deixar de ter' não é o que mais importa, mas saber, na posse ou não do 'metal sonante", como você se comporta? Continua sendo bom e justo?
Associado à idolatria como se fosse o nome de uma 'divindade', Mamon significa tudo aquilo que gera em nós o desejo de possuir, dominar, controlar coisas ou pessoas. Pode significar também o desejo de possuir e o sofrimento que dele advêm quando não se logra êxito. Tal coisa pode ocorrer no campo material e mental e/ou permanecer na esfera do pensamento, escravizando quem lhe dá curso. Por isso, possui-nos, domina-nos, controla-nos. É muito mais do que essa 'coisa' chamada dinheiro: é o 'sistema' e a maneira servil como ele nos domina. Que tem a ver com o mais fundo dos nossos desejos, do que procuramos primeiro e com o que pimeiro sonhamos. Está relacionado com os nossos impulsos egoístas, nossos apetites de poder sobre os outros e o domínio das situações, não importando o preço a pagar, que somos compelidos a quitar na esteira de nossas inúmeras existências, amargando, no cadinho da dor, personalidades apagadas e sofridas.
Mamon lembra servilismo. Comportando-se como um ídolo, 'o senhor do mundo e nosso dono', provoca-nos o desejo de dominar os outros. Na realidade, porém, a intenção é nos subjugar.
Mamon está presente onde estiver a criatura humana e suas imperfeições: no ambiente doméstico, no trabalho, na sociedade. Ele cria em nós a necessidade insubstituível de possuir cada vez mais, para que sejamos 'felizes', 'amados', 'aceitos', 'reconhecidos', 'conhecidos', 'superiores', ao mesmo tempo em que, para enfraquecer-nos, gera o medo permanente de perder a sua companhia, e, como consequência, uma inquietação cada vez maior pelo dia de amanhã, eivado de ansiedade, solidão, medo, egoísmo, vaidade, orgulho...
Mamon é o chamamento da matéria, do animal, do atavismo das crenças e costumes. Deus é o Amor libertário, que concede à criatura o livre-arbítrio, o direito de escolha de seus próprios caminhos, apenas acenando, vez ou outra, para indicar-lhe o rumo certo.
Qual, então, o melhor emprego da fortuna?
“Amai-vos uns aos outros”. Eis a solução do problema, o segredo da boa aplicação das riquezas, pois aquele que ama ao seu próximo já tem a sua conduta inteiramente traçada, porquanto a aplicação que agrada a Deus é a da Caridade.
O bom emprego da fortuna não se restringe ao simples usufruto dos bens, mas a eficiente aplicação de todos os talentos que recebemos na vida, em cada etapa reencarnatória: a riqueza, o conhecimento, a cultura, as aptidões, a família, os amigos. Na verdade, é o emprego dos meios de que dispomos para superarmos com resignação os campos da prova e da expiação, ou seja, compreensão da vida, exercício da inteligência para superar obstáculos e o uso dos talentos do espírito em favor de si mesmo e dos que o cercam, promovendo o Amor em toda parte.
Mas Jesus conhece a profundeza de nossas almas. Sabe das nossas dores, dos nossos desejos e prazeres. Por isso o ensinamento de que não se pode servir a dois senhores, dado que, agindo assim, estaremos divididos e não obteremos resultado eficiente.
Nosso amor é ainda incipiente, bruxuleante; teima em querer se apagar. É o amor em evolução, que precisa de cuidados especiais. Todos nós precisamos amar e ser amado. O amor é o principal alimento do Universo, o alimento do espírito imortal. É um sentimento capaz de apagar a multidão de enganos e promover a ascensão espiritual daquele que compreende o “amar” como fonte de evolução e progresso.
Sim, Jesus sabia e o sabe: “Não se pode servir a Deus e a Mamon”. Não se pode servir a dois senhores.🔵
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(1) - Disponível em: http://pt.wikipedia.org/ . Acesso em: 10/maio/10.
* Leonardo Pereira é Designer gráfico e orador espírita.
(2) - (Mensagem de Cheverus [Bordéus, 1861] in item 11 "Emprego da Riqueza",
Cap. XVI de O Evangelho Segundo o Espiritismo).
Imagem: www.google.com. Acesso em: 10/maio/2010.
Formatação atualizada em: 02/outubro/2017.